sábado, 20 de julho de 2013

Por que sou assim? [Romanos 7. 18-20]

Por que sou assim? [Romanos 7. 18-20]

Por Gutierres Fernandes Siqueira

Esboço da mensagem pregada na Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Itaquera, São Paulo (SP).

Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. [Romanos 7. 18-20 ARC]

Há um intenso debate entre os comentaristas da Epístola aos Romanos em torno do capítulo sete. Estaria o apóstolo a falar de pessoas não regeneradas ou daqueles que já creram em Cristo Jesus? Porém, é claro em todo o contexto que o apóstolo dos gentios estava falando com uma igreja de regenerados. Portanto, é aos crentes em Jesus que tais palavras são direcionadas.

01. “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum.”

Karl Barth nos diz que a reconhecer tal verdade sobre a nossa natureza mostra como a revelação de Cristo é o ápice de qualquer revelação.  “Nem tampouco a revelação de Deus em Jesus Cristo se faz sem a iniciação da criatura neste terrível segredo e isto porque a revelação de Jesus Cristo é a revelação de todas as revelações” [1]. Assim, o aforismo grego “conhece-te a ti mesmo” na revelação cristã só é possível pela iluminação do Espírito Santo. Sem a exposição de Deus o homem continua cego sobre sua condição e, normalmente, acreditando em seu potencial.

Saber que somos pecadores por natureza nos impede de abraçar qualquer ideia de glorificação do homem [2]. O cristianismo é antropologicamente negativo, ou seja, olha o homem em suas reais limitações [3]. G. K. Chesterton disse: "Os homens que realmente acreditam em si mesmos estão todos em asilos de loucos". Assim, qualquer expoente cristão que se baseie na autoajuda (o homem buscando o seu potencial para ajudar a si mesmo), no moralismo (o homem buscando ser bom para salvar a si mesmo) ou no antropocentrismo (o homem como centro de todas as coisas para a solução de conflitos) está biblicamente distante dessa verdade [3].

A iluminação do Espírito Santo
transforma a nossa visão sobre si mesmo.
A palavra “carne” não significa corpo humano, como muitos equivocadamente interpretam [4]. Carne é o próprio homem natural. É como uma curva que sempre desvia o rio para determinado abismo. É o estado “normal” da humanidade em inimizade contra Deus e o próximo. É a humanidade que enxerga na lei não uma direção, mas um comando que incita à rebelião (cf. 7.7).

02. “E, com efeito, o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem.”

Portanto, é na tensão constante que viverá o cristão. O cristão tem um ideal de santidade impossível de ser alcançada por sua própria força. Somente com ajuda do Espírito Santo é possível ser santo, pois a santidade também é recebida pela graça divina, pois “pela graça sois santificados”, parafraseando a Paulo.

E aí vem a pergunta: qual a diferença entre um regenerado e um não regenerado? Ora, se o cristão vive nesse conflito eterno entre o bem que deseja e o mal que pratica, qual é essa “nova criatura” que Paulo menciona em 2 Coríntios 5.17? Ora, a grande diferença está justamente na ação do Espírito Santo pela natureza divina recebida na regeneração. É uma ação progressiva como lembra John Piper:

Algumas pessoas não-regeneradas, devido a todos os tipos de razões genéticas e sociais, conformam-se a uma moralidade externa, enquanto, por dentro, são indiferentes a Deus e hostis a Ele. Deus distingue perfeitamente os regenerados dos não-regenerados. Nós não. Mas a distinção existe, e aqueles que nasceram de novo estão sendo transformados, embora lentamente, passando de um grau de humildade e amor a outro mais elevado. [5]

O cristão regenerado, muitas vezes, não se parecerá tão diferente assim dos demais homens. A nova criatura se refere a nova natureza. A salvação, assim como a santificação, tem um aspecto progressivo e, portanto, constante. Agora, é fato que essa nova criatura terá em si um inconformismo com o seu estado.

03. “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço”.

Paulo, como um ex-fariseu, jamais teria uma visão realista sobre si na religiosidade judaica [cf. Fp 3.6]. Ele, agora como cristão, era acusado de ser um antinomista, ou seja, de ser contra a Lei. Paulo mostra que isso é um equívoco. É agora na consciência do pecado, graças à Lei e a iluminação do Espírito Santo, que Paulo mostra a miserabilidade humana (cf. v. 15).

A vida cristã é uma luta. O próprio Paulo expressa tal verdade em Gálatas 5.16-24. É uma luta de fato constante: “Quem se empenha nesse combate, não pensa que sua concupiscência está morta só porque ficou quieta, mas continua lutando para infligir-lhe novas feridas, novos golpes, todos os dias. Como o fez o apóstolo (Cl 3.5)” [6].

04. “Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim”.

E seria tal expressão uma desculpa para o pecado? Evidente que não. Barth lembra: “O fato de ser o pecado quem pratica o mal, não me serve de desculpa; antes, é minha autocondenação pois, que bases tenho para dizer que o ‘eu’ que não quer, e o outro ‘eu’ que faz, não sejam os dois o mesmo ‘eu’?” [7].

Conclusão

É sinal de vida quando o seu coração está em conflito entre o querer e o realizar. Quem está em uma vida conformada no pecado não sente medo, culpa ou qualquer conflito. A vida cristã não é trivial, mas como uma guerra precisa ser combatida em cada batalha. O crescimento em maturidade, santidade e regojizo é o nosso desafio. Desafio esse que será vencido apenas com ajuda do Espírito Santo.



Notas e Referências:

[1] BARTH, Karl. Carta aos Romanos. 5 ed. São Paulo: Fonte Editorial, 2009. p 407.

[2] “Gostaria de acrescentar aqui que os evangélicos frequentemente têm caído no grave erro de destacar demasiadamente o fato de que o homem está perdido e debaixo da ira de Deus, sugerindo que ele é um nada- um zero à esquerda. Não é isso que a Bíblia diz. Há algo de grandioso no homem, e talvez tenhamos perdido nossa maior oportunidade de evangelização, em nossa geração, por não frisarmos que é a Bíblia que explica por que o homem é grandioso. Entretanto, o homem não é só nobre... Mas também é cruel... O segundo dilema é o contraste que existe entre a dignidade humana e sua crueldade. [SCHAEFFER, Francis A. O Deus que se Revela. 1 ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002. p 41]

[3] "Quando olhamos para Jesus do ponto de vista de sua fé nos homens, ele nos parece um grande cético, que acredita estar tratando com uma geração adúltera e má, com um povo que apedreja os seus profetas e depois lhes ergue monumentos. Ele não deposita nenhuma confiança nas instituições e tradições prevalecentes de sua sociedade. Mostra pequena confiança nos seus discípulos, convencido de que eles se escandalizarão nele, e de que até o mais firme dentre eles será incapaz de permanecer ao seu lado na hora da prova. Somente a ficção romântica pode interpretar o Jesus do Novo Testamento como alguém que acreditava na bondade dos homens e que, por isto, procurava trazer à tona o que neles era bom." [NIEBUHR, H. Richard. Cristo e Cultura. 1 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967. pp 46, 47.]

[4] Alguns intérpretes consideram “a carne” não como constituição humana, isto é, a natureza pecaminosa, mas sim algo externo. É o velho Adão. “Estar na carne (igual a ser carnal, v. 14) é estar em Adão. É ser controlado pelo reino do pecado e da morte-  e neste reino não há nada de bom”. JOHNSON, Van. Romanos em: ARRINGTON, French L. e STRONSTAD, Roger. Comentário Bíblico Pentecostal: Novo Testamento. 4 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. p 863.

[5] PIPER, John. Finalmente Vivos: O Que Acontece Quando Nascemos de Novo? 1 ed. São José dos Campos: Editora Fiel, 2011. p 21.

[6] OWEN, John. A Mortificação do Pecado. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2005. p 87.

[7] BARTH, Karl. Idem. p 411.


Que o SENHOR tenha misericórdia de nós! AMÉM!

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