sábado, 12 de abril de 2014

Por que não existe Ministério de Louvor?

Por que não existe Ministério de Louvor?

Por Gutierres Fernandes Siqueira


O leitor Gilmar Valverde pergunta: “Se ‘ministério de louvor’ não existe, como afirmado no post sobre pastores itinerantes [leia aqui], como fica, então, os muitos cantores que se dedicam exclusivamente ao louvor? Por acaso, seria um trabalho sem muito sentido no Reino de Deus?” [1].


A resposta: Primeiro, é necessário definir o conceito neotestamentário de “ministério”. Todo trabalho na igreja local pode ser definido como ministério? A resposta é um sonoro não. Quando alguém diz ser um “ministro de louvor” esse está apenas reproduzindo uma tradição carismática sem sustentação bíblica. Ministério é o que a Bíblia chama de ministério. Simples assim? Nem tanto. O teólogo C. G. Kruse assim define “ministério” no pensamento paulino:


Para o apóstolo Paulo, o ministério incluía tudo que o Cristo exaltado fez e faz por intermédio de seu povo para edificar sua Igreja. Isso incluía o exercício apropriado dos dons para o ministério, que Cristo concedeu a todo o seu povo, e também o ministério dos que, como Paulo, foram divinamente designados para estabelecer e educar as Igrejas. Também incluía os designados por ação humana para exercer papéis de liderança nas Igrejas. [2]

A base para definir exatamente quais são os ministérios do Novo Testamento é a Sagrada Escritura, especialmente em Romanos 12, 1 Coríntios 12 e Efésios 4. O apóstolo diz: “E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo” [1 Coríntios 12.5 AA]. A palavra traduzida como “ministério” é διακονιῶν [diakoniōn]. Segundo Strong's Exhaustive Concordance of the Bible, o termo indica aqueles dotados por Deus para o serviço zeloso e laborioso na promoção da causa de Cristo entre os homens. O contexto sempre envolve o serviço no exercício do apostolado, do evangelismo, da proclamação profética, do ensino e e do pastorado (cf. 1 Co 12.5; Ef 4.12; 2 Tm 4.5).  Em nenhum desses textos há uma indicação que o responsável pelo louvor seja “ministro” no sentido neotestamentário do termo. Quem louva não ministra ofícios, mas simplesmente (e grandemente) adora.

Alguém pode dizer que essa discussão é apenas semântica. Não, não é. O conceito de ministro é importante para entender o papel daquele a quem Deus chama para edificação da Igreja. Em nenhum momento o Novo Testamento coloca o louvor como parte da edificação (ou seja, da construção e alicerce doutrinário da congregação). O louvor é colocado em poema e sobre um poema sempre é necessário cautela na construção de sistemas doutrinários. Aja vista certas dificuldades hermenêuticas na interpretação dos Salmos. Embora o louvor na primitiva igreja (exemplo: Romanos 11.33-36) seja recheado de doutrina bíblica, aquele que canta não é necessariamente um doutrinador.

Ah, mas e os cantores e bandas evangélicas? Bom, hoje são apenas artistas. Mas a igreja local não precisa de cantores? É claro que sim, mas somente como alguém que impulsiona o louvor congregacional. Não é para apresentação. Infelizmente, nas igrejas pentecostais clássicas a maior parte dos ditos cantores produzem apresentações (ou shows) e não louvor para e com a congregação. É bom lembrar que essa lavra de cantores do mundo “gospel” é uma invenção recente do século XX. Até o século XIX as composições eram feitas por pastores, teólogos e pessoas vocacionadas para a música, mas que normalmente tinham envolvimento com algum ministério (missionários, evangelistas, pastores, professores de Bíblia etc.). O reformador Martinho Lutero (1483-1546), por exemplo, escreveu o hino Castelo Forte. Naquela época não havia alguém que- fora do ambiente eclesiástico- se dedicasse apenas a cantar de igreja em igreja com suas composições. Charles Wesley (1707-1788), por exemplo, é conhecido como grande compositor, mas era principalmente um ministro ordenado pela Igreja Anglicana. A grande musicista inglesa Sarah Kalley (1825-1907) era professora de Bíblia e foi missionária no Brasil. A assembleiana Frida Vingren (1891-1940) também produziu belos hinos, mas o seu ministério era a missão evangelizadora e o ensinamento bíblico. 

Observe que Martinho Lutero, Charles Wesley, Sarah Kalley e Frida Vingren não se colocaram como “cantores de igreja”. Eles eram, antes de tudo, ministros do Evangelho. O talento musical era complemento e não uma função ministerial. Logo porque o louvor é responsabilidade de toda a congregação e não só de um indivíduo. A igreja local precisa de apenas um pastor ou um mestre, mas todos os membros devem louvar ao Senhor com cânticos (cf. Efésios 5.19; Colossenses 3.16). 

Referências Bibliográficas:

[1] A pergunta foi adaptada para melhor entendimento do questionamento.

[2] KRUSE, C. G. Ministério. Em: HARWTHORNE, Gerald F.; MARTIN P. Ralph e REID, Daniel G. Dicionário de Paulo e suas Cartas. 2 ed. São Paulo: Paulus, Edições Loyola e Edições Vida Nova, 2008. p 818.

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